Tuesday, February 23, 2010

Beatriz



Se eu fosse você, sairía logo daqui e visitaria o site da Beatriz.

É bem mais interessante do que o meu bloguinho.

Há muitos



Há muitos, Licia Olivetti NYC 2010 ©

Alguns nunca se entregam. Muitos não se dão por achados. Há sempre os que continuam a acreditar. Outros investem por tradição de família, costume entre os seus iguais, hábito doméstico ou vício emperdenido. Tem aqueles que crêem e os que crêem em si mesmos ainda em maior número. Uma pequena multidão espera, enquanto o resto da malta se agita. O exsudar da mata, a animália guardiã da carne, o silêncio dos pássaros, só os olhos, só os olhos. Sapos e pestes, nuvens de mosquitos zanzam para lá e para cá. Há os que se agitam e os que agitam lenços ao longe. Língua de mãos e braços. Partir é deixar parte de si, já me disseste assim. Então, vou para que fiques com junto e em ti. Tu que ficas nada deixas comigo, nada do que resta do fogo cruzado da culpa que, a final, restará contígua. Eu vou para onde estás, deixando-te. Abandono as tuas possibilidades. Carrego-as num alforge de idéias antigas. Tu és a realidade do passado. Cadas vez que penso em ti, exumo-te.

Há os que nunca chegam, os que sempre partem, os que jamais deixam a terra natal de seus pais. Em tempo algum deixarei de ser teu e assim sendo, partirei constantemente, obstinadamente. Eu não queria uma causa, uma bandeira, um vento, mas o modorrento passar das horas em que eu pudesse beber teu hálito, tragar teus gestos, tocar seu rastro. Busco-te para que me firas ainda e na agonia possa sentir-me um teu eterno objeto de desdém e horror. Em espelho múltiplo multiplico os erros e de um só golpe - tu. Preso em tua sombra sigo imperceptível... sigo a deixá-la todos os dias.

Saturday, February 13, 2010

À espreita



À espreita, Licia Olivetti NYC 2010 ©

Se navegar o texto é preciso, vou assim morrendo aos poucos, conforme a necessidade doméstica simbolicamente prenuncia. Carrego todos os pedaços de mim comigo, sem misericórdia aos cães que passam. A caravana de males detém-se no encontro entre dois mares, e ali onde se agitam os sargaços, enredado e seguro, complicado e a salvo dos fatos - eu. Notícias que se esperam sempre. Há o que se esgueira à minha espreita e o que me espreita à sua espera. Em silêncio obsequioso, quase nunca religioso, aguardo. Alas. Memórias migrantes. Eu atrás da vida. Sempre chego depois dela. Preciso conhecer-te os passos, ser teu inimigo. Odiar-te. Encontrar-te nua e disponível em um quarto de hotel. Desprezar-te. Malquerer-te. Pôr a faca em tuas mãos e dar-te as costas. Só te quis assim porque não podia ter-te. Eu te persegui só porque não podia alcançar-te. Eu te desejei no corpo para que a alma permanecesse fria, como tudo que está é vivo e tudo que é permanece morto. Eu ainda te quero, ainda estou para jamais sê-lo. Foste. Fui. Agora sou a dor do amputado. Os fantasmas das possibilidades rondam-me. ... mas um morrer inconsciente, uma extinção, um silêncio, uma inocuidade, uma neutralidade, um não-ser. Se eu fosse um abstrato, ficaria ali colado entre a parede e as costas das pessoas por uma semana ou duas, inlocal e inmundo. Outro cartaz. Busco-me a ponta, descolo minha pele em tiras, envolvo-me, quebro-me, dissolvo em bolhas o meu não. Saem de ti muitas palavras minhas. Apropriaste-te do meu discurso. Já não sou mais o meu inédito. Tua máscara de mim repete-me com melhor ênfase. Ignoras o significado, a origem, o processo gerativo. Ensaias um suicídio verbal. Plageias a ponderação, o riso, a poesia. Queres que eu ria e te ache garrida. Diante de ti meu olhar é fosco. A verdade é que me achaste perdido e me abandonaste antes que eu me anelasse ao teu pescoço. Um arlequim de asas de cera. Sobrou-me as tuas costas frias, lápide da atenção e do gozo. Minhas convicções se assentavam em tua dúvida, minha segurança em teu exitar. O companheiro do tempo desaparecerá no voleio da túnica do inverso.