Friday, May 14, 2010

Tempos de Ambrosia


Tempos de Ambrosia, Licia Olivetti NYC 2010 ©

A noite descansa sobre nós.
Serenos azuis dois olhos presos
correm livres num saltar de noz,
prisoneiros de líquidos anzóis,
desiluminados de dois sóis.

Tesa a madrugada segue fria.
Quietamente a natureza cria,
em conchas de maresia,
as águas que encherão a pia
para o batismo do dia.

A manhã surge farta e molhada,
já num cansaço de morta.
Sabe o homem da mata
será longa a sua jornada,
já exausto e sem nada.

À tarde, o sol maciço aquece
o coração de quem cedo esquece.
Turvos sonhos a mente tece.
E se a felicidade deles soubesse,
talvez nunca mesmo viesse.

A viver só de ambrosia,
em macedônias de azul celeste,
muita alma mercenária,
entoa angélica um hino ao ente
cuja vida nem pressente.

Thursday, May 13, 2010

Na Idade das Pedras

Na Idade das Pedras, Licia Olivetti NYC 2010 ©

Impenitente, desnuda, manifesta gema.
Lavrada a dor revela em cantos secretos
a robustez senil, a concreção modesta.
Chovem das copas dos tetos
pingos negros de vida, grãos de paineira,
germes dormentes, quietos,
em brancos, puros flocos de lã.
Tatuagem franca e natural:
martírios, formas catalãs num mural.
Tortura de arma branca, marcas na testa
as filhas de sina baldã eleitas pela quimera.
Pores-de-sol e amanheceres
vermelhos, ocres, azuis e lilases;
perfis, narizes, recortes, análises,
tez fugidia, reflexos tão fugazes,
ascépticos pareceres, vulcânicos gazes.
Prados, presas, montes e mortes,
despenhadeiros, abismos e cortes;
quebras, rachaduras, ataduras,
separações, desesperos, conjecturas,
furos, poços, ranhaduras,
ferimentos antigos de cicatrizes maduras:
risos de costura azeda, ressaca de falcatruas,
estupendas bebedeiras, suporte de ligaduras.
De ascensão e queda, de precipícios e alturas
correm fios de ouro e mel,
secas tinturas de água e fel,
espumas ácidas de óleo e suor
cortando o vil canal de argila, corda e metal.
Bocarras atrozes lançam seu grito ao céu.
Boquirrotas, línguas secas, Babel.
Esgar do morto, tom do igual,
melodias algozes, fóssil horto,
perdido atol no mar do céu.
Ato suspenso, vida de déu em déu.
A vida enterrada lá dentro, os túmulos abertos,
os mortos jazem ao léu.
Cavernas secretas, gozos mudos, discretos.
Dores antigas, medos incertos.
Junções, ligamentos, conexões, insetos.
Articulações, dourados filamentos, convenções,
encaixes orgânicos, políticos, egocêntricos.
Círculos secretos, seios concêntricos.
Rochas dançantes, minerais arfantes.
Penedo carnal, lápides desconcertantes,
caminham por obstáculos, entre cálculos decentes.
Os negros tentáculos de estranhos vernáculos
por fim vencem a fraga em todos os limites.
A forma remanescente é amorosa e lousã.
Túmulos, bustos e Bhudas enjeitados como dantes,
abstratos criados na terra de Nantes.
Ápice e contemplação, apego e abnegação,
templo do despudor e, destarte toda rocha inibida
em ígnea meditação, declara a ação e o asserto
num concerto de rochas mutantes.
Cada veio, cada vão, uma nota, um concerto
de cinzéis dinamicamente participantes.
Luz filtrada de folhas escorre
em reflexos virilizantes de água de fonte.
Vento em sinfonia de árvore,
balé de três elementos:
a luz, o vento e as rochas.
As máscaras de homens,
as emoções pueris, os choros e os dramas
iluminados pela luz das lanternas:
papel, bambu e forma,
espaço-lugar e luz morna.
As pedras, as rochas iluminadas,
todas são evas de muitas faces.
Menires, sulcos, manchas eternas,
obeliscos, picos e frestas,
cânions sombrios, chapadas desertas
marcas do amor na idade das pedras.