Você se lembra daqueles livros de literatura
brasileira que eu encontrei no lixo e trouxe aqui pra casa? Pois é, veja que
chato: por causa da intensa ação dos fungos, alguns deles estão se quebrando
como se fossem de massa folhada. Então, para mantê-los íntegros, esta semana
resolvi embalar todos em papel manteiga. É minha última tentativa de mantê-los
pelo menos compostos, pois a alguns já falta a capa e a outros falta a primeira
ou a última página. É interessante observar como o tempo trata a autoria, as
dedicatórias, e, às vezes, até mesmo parte da narrativa. Muitos deles agora não
passam de histórias sem começo ou fim, apócrifas, sem título ou recomendação. Ao
desaparecer com um pedaço do livro, o tempo reescreve a história. Imagino o que
os autores pensariam dessa coautoria não-autorizada, imposta pela natureza das
coisas. Pensando bem, o tempo é o coautor da nossa história, a gente querendo
ou não. Em meio a tantos processos em curso e à inevitabilidade da decadência,
o tempo rói o nosso desejo de ser eterno.
Gosto dos livros feito de papel, pois eles nos oferecem a sensação olfativa e tátil da leitura. No entanto, devo admitir que me amola a
visão dos farelos oxidados espalhados pelo chão da minha sala. Os fungos desenlaçam
tramas, resolvem conflitos, encerram assuntos abruptamente, desaparecem com os
personagens sem a menor consideração pelo autor ou leitores. Ávidos e
indiferentes, é como se os fungos dissessem: "- Você autor escreve, eles os
leitores leem, nós os fungos comemos". É fato fatal. É fato final. apesar
disso, diante de fim tão ignominioso, a minha natureza humana me leva a reagir.
Do fundo da gaveta retiro um rolo de barbante de algodão macio com o qual duas
vezes enlaço os volumes de palavras envoltos em papel manteiga. Finalizo com um
nó seguido de laço frouxo. Na verdade, não necessito ler estes livros, penso,
pois já conheço seu conteúdo há muito. Tampouco os quero confinados a uma caixa
como se tivessem cometido um delito. O papel transparente da cor do alabastro
os protegerá, e o laço frouxo é mais um enfeite fácil de desfazer.
Gosto de olhar para aqueles livros. São pedaços de mim
que estão ali. Livro indo parar num aterro sanitário? Não senhor! Lugar de
livro é entre duas mãos ou descansando na estante. O livro é só uma outra forma
assumida de árvore, e seu manuseio deveria ser tão gentil quanto o toque de um pássaro.
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