Thursday, March 11, 2010




Opus Next Day, Licia Olivetti Dez,2010 NYC ©


o pão a venda a quenga
o cão a tenda a fenda
o não o tão emenda
entenda o vão
em tenda a paixão
contenda
capenga a mão
horrenda quão
e o pobre são
tenha e contenha

o pus os nus conduz
seduz capuz reluz
opus anos onus
obus cajus ônibus
de cujus bonus somos

allure detour à jour
surprises at noon failure
secure the mules toujour
l’amour demi sunrises moon

os ais os tais dais
os mais o cais canais
os sais os pais rivais
ou traz ou faz ou vais
o gás o ás os quais
os xás rapaz a paz
nem sempre se perfaz

sem trova ou prova outrora
sem rima em cima filma
adora a nova diva
agora a bruma aprova
a obra da serpente canora
o duro o puro obra
enquanto ora o burro
trabalha agora corpsis
em sua hora nobis

Wednesday, March 10, 2010


Vãos, Licia Olivetti 2010 NYC ©

Tudo se perde.
Tudo se esvai.
Escorre pelos vãos dos dedos
em gestos abissais,
mergulha na areia,
perdido num mar de grãos.

Nada será,
como nada, às vezes, pode ser tão cruel.
O fadário,
com sua mão de mar,
atira com violência
o náufrago às pedras,
traste, pano sujo,
plástico, galho de árvore,
alga morta agarrada às rochas.

O gesto inútil,
o grito vago,
as marcas da batalha enfim perdida.
Medalha de marisco,
honra de camarão.

O mar que ofende a pedra,
a pedra que traga o mar.
O sol que seca o sal,
ruído que embala o mar,
venta venta moinho,
o tempo que faz andar

Outro dia, outra hora,
nova vida, outro amor.
Tristeza,
casa do pavor,
a hora de ir é sempre a boa hora.

Monday, March 8, 2010


Uma canção de ninar, Licia Olivetti NYC 2010 ©

Uma canção de ninar no canto quieto da sala vazia
Bala de hortelã que dança na boca do céu
Abóboda de porcelana, vidro, veludo, véu
Em quarto crescente, a noite cega
sorri, sonha e espera

Thursday, March 4, 2010

Soneto do Abandono, Licia Olivetti NYC 2010 ©


Quem te acudirá,
cão das avessas?
Quem cerzirá teu laço roto,
cortado, arrancado
que foi de ti todo o bem
e todo o mal e toda a vida?
Quem ouvirá teus gritos surdos,
surpresa antiga,
as alucinações, os surtos?
Ao cair da tarde é que a inimiga surge.
E quem te cortará os pulsos
e quietamente encerrará teu curso?

Falhaste, tua vida é um insulto.
Teu andar são sustos.
A sentença é bruta:
na pedra fria a cabeça pousa.
Ao lado, a guilhotina, o machado e a espada.
Será por fim tão cruel a pua
para quem na vida ousa
andar com a alma nua?
Pensaste sem sentir,
sentiste sem morrer,
amaste sem mentir,
sofreste sem correr.
O homem parte sem voltar,
o leite ainda a lhe escorrer dos beiços.
Quem te dera descer da vida, ressemear o tempo
a teu favor, atender desejos que fossem teus!

Só na escuridão me reconheço.
Busco-te em desvãos,
em calhas, em tugúrios.
Estás em toda parte.
Todo no começo.
Dos meus gritos, só há murmúrios,
dos meus gestos, somente as mãos
cessarão o quanto fui até os ínfimos resquícios.
Despertarás um dia
do pesadelo que te inflingi
e descobrirás que estás calado.
Somente a teu lado,
a minha ausência.